quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Outros olhares para a loucura!

A loucura é assustadora.  
Talvez não os corriqueiros gestos de desvario, a pequena insanidade cotidiana tão familiar à maioria das pessoas - que vez ou outra implica dizer ou fazer aquilo que desafia o bom senso. Esta, não raro, tem lá seus méritos: é motivo de algum orgulho, pois nos lembra que é possível ter um pouco de autonomia - e ainda que seja ilusória, na maior parte das vezes funciona como válvula de escape de desconforto e opressões dos quais pode até ser saudável se ausentar em algumas situações.
Na mitologia grega, a loucura recai sobre Hércules como uma maldição lançada pela deusa Hera e durante um surto ele mata os filhos e a mulher, Mégara. Voltando a si, recorre ao oráculo de Delfos, buscando alento para sua dor. Recebe, então, a incumbência de realizar seus 12 famosos trabalhos. Segundo esse olhar, a insanidade é provocada por forças acima da condição humana e pode acarretar enorme sofrimento, mas ser reparada pelo esforço e empenho. Já na Odisseia, Ulisses simula um acesso de loucura - mas o engodo é descoberto quando o herói salva seu filho da morte, revelando assim que tinha consciência do mundo ao redor.
Histórias que envolvem insanidade não faltam. Na literatura, no cinema e em obras de arte o tema é recorrente. Na ficção personagens ensandecidos costumam ser bastante interessantes. Já na prática o fantasma da perda da razão (seja a nossa, seja daqueles que estão muito próximos de nós) é bastante assustador. Talvez justamente para dominar esse desconforto sempre foi uma preocupação de especialistas classificar manifestações e sintomas dos transtornos. Com o objetivo de melhor compreender esse universo obscuro, na segunda metade do século XIX o psiquiatra alemão Emil Kraepelin (1856 - 1926) apresentou uma divisão das doenças mentais em sua obra Psiquiatria - Um manual para estudantes e médicos. Foi a primeira sistematização de doenças mentais válida ainda hoje.
O DSM, e CID, valorizam a a vivência do paciente e seu entendimento da própria patologia - o que talvez favoreça diagnósticos mais precisos. Porém, não vamos nos enganar: um catálogo de doenças não pode, por si só, tornar o melhor atendimento em saúde mental. Mas a perspectiva de ampliar a compreensão clínica para que o ser humano seja tratado de maneira integral parece ter sempre uma boa notícia.
Que os olhares também possam ser múltiplos - e as barreiras da intolerância, mais flexíveis.

Glaucia Leal, editora Mente e Cérebro (anoXVII - n 207, abril 2012)